Header Image
    Cover of Verity (Colleen Hoover)
    Novel

    Verity (Colleen Hoover)

    by

    Querido Jeremy,

    Espero que seja você lendo esta carta. Se não for, espero que seja entregue a você, porque tenho muito a dizer.

    Quero começar pedindo desculpas. Estou certa de que, quando estiver lendo isso, terei fugido com Crew no meio da noite. Só de pensar em deixá-lo sozinho nesta casa onde compartilhamos tantas memórias já me machuca. Tivemos uma vida tão linda com nossos filhos. Um com o outro. Mas somos Crônicos. Devíamos ter imaginado que nossa dor não acabaria depois da morte de Harper.

    Depois de anos sendo a esposa perfeita, nunca imaginei que seria minha carreira, essa que amo e à qual dedico boa parte do meu tempo, a responsável por acabar com tudo entre nós. Nossa vida era perfeita até que entramos numa espécie de universo paralelo no dia em que Chastin morreu. Queria me esquecer do dia em que tudo começou a dar errado, mas fui amaldiçoada com uma memória muito boa.

    Estávamos em Manhattan jantando com Amanda, minha editora. Você estava usando aquele suéter cinza que eu adorava — aquele que sua mãe te deu de Natal. Meu primeiro livro tinha acabado de sair e eu havia assinado um contrato para outros dois com a Pantem. Esse era o motivo do jantar. Estava discutindo o próximo livro com Amanda. Não sei se você ignorou essa parte da conversa, mas imagino que sim. Conversas de escritores sempre te deixaram entediado.

    Eu dizia a Amanda que estava preocupada porque não tinha muita certeza sobre que abordagem usar no novo livro. Devia escrever algo diferente? Ou manter a fórmula que fez sucesso no primeiro livro e escrever sob a perspectiva do vilão? Ela sugeriu que eu mantivesse a fórmula, mas queria que eu fosse ainda mais ousada no segundo livro. Eu disse a ela que era difícil construir uma voz autêntica que fosse tão diferente de mim, de como penso na vida real. Estava achando que não conseguiria melhorar minhas habilidades para o próximo livro.

    Foi então que ela me disse para tentar fazer um exercício que aprendeu na faculdade, chamado “diário do antagonista”. Teria sido um ótimo momento para prestar atenção na conversa, mas você estava no telefone, provavelmente lendo um e-book de alguém que não era eu. Você percebeu que eu estava te encarando e me olhou de volta, mas dei um sorriso. Não estava irritada. Estava feliz por você estar lá pacientemente esperando enquanto eu pegava dicas com minha nova editora. Você começou a apertar minha perna por baixo da mesa e eu voltei a olhar para Amanda, mas minha atenção ficou na sua mão, desenhando círculos no meu joelho.

    Mal podia esperar para voltar para casa naquela noite; seria a nossa primeira sem as meninas. Mas também estava muito interessada nas dicas de Amanda. Ela disse que o diário do antagonista era uma ótima maneira de melhorar minhas habilidades de escrita. Segundo ela, para entrar de verdade na mente de um personagem mau, a técnica era escrever um diário da minha própria vida… coisas que realmente aconteceram… mas fazer com que o diálogo interno do personagem fosse o oposto do que eu realmente estava pensando na hora. Ela me disse para começar pelo dia em que nos conhecemos. Sugeriu descrever o que eu estava vestindo, onde nos conhecemos e sobre o que conversamos naquela noite, mas deixar o diálogo um pouco mais sinistro do que a realidade.

    Parecia simples. Inofensivo. Vou te dar um exemplo de um parágrafo que acabei de escrever aí em cima.

    “Olho para Jeremy, esperando que ele esteja prestando atenção. Ele não está. Está olhando a merda do telefone de novo. Este jantar é muito importante para mim. Entendo que não seja muito a cara dele — jantares e encontros chiques em Manhattan —, mas não é como se eu o obrigasse a fazer isso o tempo inteiro. Em vez de prestar atenção, ele está lendo o e-book de algum outro escritor, sendo totalmente desrespeitoso. Ele lê o tempo inteiro, mas não fica confortável para ler os MEUS livros? É o maior insulto de todos. Estou com vergonha do comportamento dele, mas sei que preciso disfarçar. Se Amanda notar minha irritação, vai notar também o desrespeito dele. Jeremy olha para mim e dou um sorriso forçado. Posso deixar a raiva para depois. Volto a prestar atenção em Amanda, torcendo para ela não notar o comportamento de Jeremy. Alguns segundos depois, ele aperta a minha perna, bem acima do joelho, e congelo com aquele toque. Na maior parte do tempo, aquilo é tudo o que desejo. Mas, neste momento, a única coisa que desejo é um marido que apoie a minha carreira.”

    Pronto. É fácil assim para um escritor fingir que é outra pessoa. Assim que voltamos para casa, fui direto para o computador e escrevi sobre a noite em que nos conhecemos. Na versão alternativa, fingi que meu vestido vermelho era roubado. Fingi que estava lá para transar com algum cara rico, o que não é verdade. Você devia me conhecer melhor do que isso, Jeremy.

    Acho que não fui muito bem-sucedida em me retratar como a vilã na primeira vez que tentei, então passei a sempre escrever sobre nossos momentos mais marcantes. Escrevi sobre a noite em que você me pediu em casamento, a noite em que descobri que estava grávida, o dia em que as meninas nasceram. A cada vez que escrevia sobre um novo momento, eu me tornava mais hábil em reproduzir a mente de um vilão. Era incrível. E me ajudou. Aquilo me ajudou muito e foi a razão de eu ter criado personagens tão assustadores e realistas em meus livros. Era por isso que eles vendiam, porque eu era boa nisso.

    Quando terminei o terceiro livro, senti que já dominava a técnica de escrever sob um ponto de vista que não era o meu. Os exercícios me ajudaram tanto que decidi pegar todos os momentos do diário e juntar numa autobiografia que poderia ser usada para ajudar outros autores. Precisei encadear os capítulos numa única história para dar coerência à autobiografia, então levei aquilo ao limite, deixando o texto cada vez mais chocante. Mais perturbador.

    Não me arrependo de ter escrito porque minha única intenção era ajudar outros escritores. Só me arrependo de escrever sobre a morte de Harper poucos dias depois que aconteceu. Mas minha mente estava num lugar tão sombrio e, às vezes, o único jeito para um escritor lidar com isso é deixar as trevas jorrarem direto para o teclado. Aquilo foi a minha terapia, mesmo que seja muito difícil para você compreender. Além disso, nunca achei que você fosse ler. Além do meu primeiro livro, você nunca leu nada do que eu escrevia. Então por quê? Por que decidiu ler justo esse texto?

    A intenção não era que ninguém lesse e acreditasse. Era um exercício. Só isso. Foi uma maneira de lidar com o luto que estava me consumindo e jogar tudo nas batidas do teclado. Colocar a culpa nessa vilã ficcional foi uma das minhas maneiras de aguentar a dor.

    Sei que é difícil para você ler esta carta, mas não pode ser mais difícil do que a leitura do manuscrito na noite em que você o encontrou. E se algum dia vamos nos perdoar por tudo isso, precisa continuar lendo até o fim para saber a verdade sobre aquela noite. Não a versão que você descobriu dias depois da morte de Harper.

    Quando levei Harper e Crew para o lago naquele dia, estava tentando me divertir com eles. Naquela manhã, você mencionou que eu não brincava mais com eles, e era verdade. Era muito difícil porque eu sentia muita falta de Chastin. Ao mesmo tempo, eu tinha aquelas duas lindas crianças que ainda precisavam de mim. E Harper queria muito ir para a água naquele dia. Era por isso que ela tinha corrido para o quarto chorando, porque eu disse que não podia. Nunca a confrontei por sua falta de emoções, como escrevi no manuscrito. Era só liberdade artística para conduzir a história. Fico ofendida por você acreditar que eu falaria com um dos nossos filhos dessa maneira. Fico ofendida por você acreditar em qualquer coisa escrita naquele manuscrito — ou que eu seria capaz de machucá-los.

    A morte de Harper foi um acidente. Foi um acidente, Jeremy. Eles queriam passear de canoa e estava um dia lindo. E, sim, eu devia ter colocado os coletes salva-vidas neles. Mas quantas vezes já tínhamos andado de barco sem os coletes? O lago não era tão fundo. Eu não tinha ideia de que a rede de pesca estava ali. Se não fosse por aquela merda de rede de pesca, eu a teria encontrado e a levado até a borda, e estaríamos rindo daquele dia em que o barco virou.

    Não tenho palavras para dizer como sinto muito por não ter feito tudo diferente naquele dia. Se pudesse voltar no tempo, eu o faria. E você sabe disso.

    Quando você a tirou da água, eu queria arrancar meu coração e dá-lo a você, porque sabia que você não tinha mais um. Eu não queria mais viver depois de testemunhar a sua angústia. Meu Deus, Jeremy. Perder as duas. As duas.

    Eu percebi sua desconfiança alguns dias depois da morte de Harper. Estávamos na cama e você começou a me fazer todas aquelas perguntas. Não conseguia acreditar que você estava cogitando a possibilidade de eu ter feito algo assim de propósito. E mesmo que tenha sido um pensamento efêmero, era quase como se eu conseguisse ver seu amor por mim se esvaindo, como se nunca tivesse existido. Todo o nosso passado… todos os momentos maravilhosos que passamos juntos. Tudo aquilo sumiu.

    Porque, sim, eu disse a Crew para prender a respiração. Disse isso na hora que a canoa virou. Estava tentando ajudá-lo. Pensei que Harper ficaria bem porque já tínhamos brincado na água tantas vezes. Então foquei em Crew na hora que caímos da canoa. Quando eu o segurei, ele estava em pânico, então fui nadando o mais rápido que podia para a margem, antes que nos afundasse. Não havia passado nem trinta segundos quando percebi que Harper não tinha vindo atrás da gente.

    Até hoje, me sinto culpada. Eu era a mãe dela. Eu devia protegê-la. E eu presumi que ela ficaria bem, então me concentrei em Crew por longos trinta segundos. Quando percebi, tentei voltar para encontrá-la, mas a canoa tinha ido para mais longe por causa da agitação na água. Não sabia nem onde ela havia afundado, e Crew ainda estava se debatendo, em pânico. Eu sabia que, se não fosse com ele para a margem, nós três morreríamos afogados.

    Procurei por ela com todas as minhas forças, Jeremy. Precisa acreditar em mim. Cada centímetro do meu corpo se afogou naquele lago junto com ela.

    Não o culpo por desconfiar de mim. Se fosse o contrário, e Harper estivesse sob sua supervisão, provavelmente eu também me daria o direito de explorar todos os cenários possíveis. É natural esperar o pior das pessoas, mesmo que a desconfiança dure apenas um segundo.

    Pensei que você perceberia o quão ridícula tinha sido sua acusação no dia seguinte. Eu nem tentei argumentar naquela noite porque estava sofrendo muito para discutir. Harper tinha morrido havia poucos dias e, sinceramente, eu mesma só queria morrer. Queria entrar naquele lago e me juntar a ela, porque tinha sido culpa minha. Foi um acidente, sim. Mas se eu tivesse colocado um colete nela, ou se tivesse conseguido segurá-la junto com Crew, ela ainda estaria viva.

    Não conseguia dormir, então fui para o escritório e abri o computador pela primeira vez em seis meses. Tente imaginar por um momento. Uma mãe de luto pela morte das duas filhas escrevendo um texto de ficção em que acusava uma criança de ter matado a outra. Era muito perturbador. Eu tenho noção disso, e é por isso que não parei de chorar o tempo inteiro enquanto digitava.

    Mas pensei que, talvez, se jogasse toda a minha culpa e meu sofrimento naquela vilã da ficção que eu havia criado, aquilo me ajudaria de alguma maneira bizarra. Escrevi tudo sobre a morte de Chastin. Escrevi tudo sobre a morte de Harper. Fui até o início do manuscrito e coloquei alguns presságios do que aconteceria, para fazer sentido com nossa realidade sombria. E, de certa forma, culpar aquela versão fictícia de mim mesma, em vez de aceitar a culpa na vida real, ajudou a aliviar uma pequena parte da responsabilidade e da dor.

    Não posso explicar a mente de uma escritora para você, Jeremy. Especialmente uma escritora que já passou por mais tragédias do que a maioria dos outros escritores juntos. Temos a capacidade de separar a nossa realidade e a ficção. É quase como se vivêssemos nos dois universos, mas nunca ao mesmo tempo. Meu universo real tinha ficado tão sombrio que eu não queria viver nele naquela noite. Foi por isso que escapei e passei a noite escrevendo sobre um universo ainda mais sombrio. A cada vez que eu trabalhava no texto da autobiografia, eu sentia alívio ao fechar o computador. Sentia alívio ao sair do meu escritório, fechar a porta e deixar todo o mal que eu havia criado lá dentro.

    Foi isso. Eu precisava que a versão imaginária do meu mundo fosse pior do que a real. Porque, se não fosse isso, eu não ia querer mais viver em nenhum dos dois mundos.

    Depois de passar a noite e parte da manhã trabalhando no manuscrito, finalmente cheguei à última página. Senti que o manuscrito estava terminado porque, afinal de contas, o que mais eu poderia acrescentar? Era como se nosso universo estivesse terminado. Fim.

    Imprimi e guardei numa caixa, imaginando que um dia eu voltaria àquilo. Talvez incluísse um epílogo. Talvez eu simplesmente o queimasse. O que quer que eu fizesse, não estava esperando que você fosse ler. Não esperava que você fosse acreditar.

    Depois de passar a noite em claro escrevendo, dormi durante a maior parte do dia. Quando finalmente acordei, à noite, não conseguia te encontrar. Crew já estava dormindo, mas você não estava com ele. Estava parada no meio do corredor tentando imaginar para onde você tinha ido quando ouvi um barulho no meu escritório.

    Você estava fazendo aquele barulho. Não sei muito bem que tipo de som era aquele, mas foi pior do que das duas vezes em que descobrimos que as meninas haviam morrido. Andei em direção ao escritório para consolá-lo, mas parei antes de abrir a porta porque seu choro se transformou em ódio. Algo foi atirado na parede. Dei um pulo para trás tentando entender o que estava acontecendo.

    Foi aí que me lembrei do computador. A autobiografia tinha sido o último arquivo que eu abri. Abri a porta para explicar sobre o que você tinha acabado de ler. Nunca vou me esquecer da sua expressão ao olhar para mim naquele dia. Era uma total e completa… aflição.

    Não era como a tristeza de alguém que acabou de descobrir a morte da filha. Era uma tristeza devastadora, como se cada memória feliz da nossa família tivesse sido apagada pelas palavras do manuscrito. Apagada. Não havia nada dentro de você que não fosse ódio e destruição.

    Balancei a cabeça e tentei falar. Queria dizer: “Não, não é verdade, Jeremy. Está tudo bem. Não é verdade.” Mas tudo que consegui dizer foi um “Não” patético e cheio de medo.

    Quando me dei conta, você já estava me arrastando pelo pescoço para o quarto. Eu não era páreo para a sua força. Você segurava meus braços com os joelhos e apertava minha garganta cada vez mais forte.

    Se você tivesse me dado cinco segundos… apenas cinco segundos para explicar, eu poderia ter nos salvado. Tentei muitas vezes dizer: “Por favor, me deixe explicar”, mas eu não conseguia respirar.

    Não sei muito bem qual foi a sequência dos acontecimentos depois disso. Sei que desmaiei. Talvez você tenha entrado em pânico ao perceber que quase me matou. Se eu tivesse morrido naquela cama, você teria sido preso por assassinato. Crew não teria um pai.

    Acordei no banco do carona do meu Range Rover e você estava dirigindo. Eu estava amordaçada com uma fita. Meus pés e mãos estavam amarrados. Mais uma vez, eu só queria explicar que aquilo tudo não era verdade. Mas eu não conseguia falar. Olhei para baixo e percebi que não estava com cinto de segurança. Então, naquele momento, entendi o seu plano.

    Era uma frase do manuscrito! Eu dizia que poderia desativar o airbag do passageiro, deixar Harper no banco do carona sem cinto e bater com o carro numa árvore. Assim a morte dela pareceria um acidente.

    Você ia me matar e fazer parecer um acidente. Sem querer, eu tinha traçado o meu destino nas últimas frases do manuscrito.

    Se esse for o caso… que seja. Eu jogo meu carro numa árvore.

    Eu me dei conta naquele momento que, se algum dia alguém desconfiasse da minha morte, tudo o que precisava fazer era mostrar o manuscrito. Se eu morresse, aquela seria a carta de suicídio perfeita.

    Claro, nós dois sabemos como essa parte da história terminou. Imagino que você tenha tirado a mordaça e me desamarrado, me colocado no banco do motorista e voltado para casa, esperando a ligação da polícia avisando que eu morri.

    Mas seu plano não funcionou muito bem. Nem sei se fico aliviada por isso. Acho que teria sido mais fácil morrer no acidente, porque fingir que estou machucada tem sido bem difícil. Certamente você está se perguntando por que estou fazendo isso há tanto tempo.

    Tenho pouquíssimas memórias do primeiro mês que se seguiu à morte de Harper. Imagino que eu estivesse em coma induzido por causa do inchaço no cérebro. Mas me lembro claramente do dia em que acordei. Graças a Deus estava sozinha no quarto, o que me deu tempo para pensar no que fazer em seguida.

    Como eu ia explicar que cada uma daquelas palavras negativas que você leu eram mentira? Você não acreditaria se eu desmentisse o manuscrito porque, afinal, eu o tinha escrito. Aquelas eram as minhas palavras, mesmo que não fossem reais. Quem acreditaria que aquilo tudo era mentira?

    Certamente não alguém que não entende o processo de escrita. E se você soubesse que eu estava recuperada, ia me entregar para a polícia. Tenho certeza de que teria havido uma investigação depois da morte de Harper se não fosse o acidente. E com meu próprio marido contra mim, certamente eu seria condenada pelo assassinato dela. Você usaria minhas próprias palavras contra mim.

    Durante três dias, fingi que ainda estava em coma quando alguém entrava no quarto. Médicos, enfermeiros, você, Crew. Mas me descuidei um dia, e você me pegou de olhos abertos no quarto do hospital. Ficou olhando para mim. Olhei para você. Vi você cerrando os punhos, com raiva porque eu tinha acordado. Parecia que queria subir em cima de mim e apertar minha garganta de novo.

    Você andou em minha direção, mas decidi não te seguir com o olhar, porque estava com medo. Se eu fingisse estar alheia ao mundo à minha volta, talvez você não tentasse me matar de novo. Talvez não fosse à polícia para dizer que eu tinha me recuperado.

    Então continuei fingindo por semanas, porque achei que era a única maneira de sobreviver. Decidi fingir que estava com dano cerebral até conseguir bolar um plano para consertar a situação.

    Não pense que foi fácil. Foi humilhante muitas vezes. Quis desistir. Quis me matar. Quis te matar. Estava com muita raiva por tudo ter terminado daquele jeito, por você acreditar que aquele manuscrito pudesse ser verdade depois de tantos anos de casamento. Sério, Jeremy! Os homens acham mesmo que as mulheres são tão obcecadas por sexo? Era ficção! É claro que eu adorava transar com você, mas, na maior parte das vezes, era só para te agradar! Isso é o que casais fazem um pelo outro. Não era porque eu não conseguia viver sem.

    Você foi um bom marido para mim e, apesar do que você acredita ou não, eu fui uma boa esposa também. Você ainda é um bom marido para mim. Acredita do fundo do coração que eu matei nossa filha e, mesmo assim, continua cuidando de mim. Talvez porque acha que não estou mais aqui — que todo o meu lado mau morreu naquele acidente e agora eu sou apenas alguém de quem você sente pena. Acho que é por isso que me trouxe para casa. Depois de tudo o que Crew passou, seu coração é muito bom para deixá-lo longe de mim. Você sabe que, depois de perder as duas irmãs, perder a mãe seria devastador para ele.

    Apesar do que está escrito no manuscrito, seu amor por nossos filhos sempre foi sua característica de que mais gosto. Houve momentos nos últimos meses em que quis te contar que estou aqui. Que sou eu. Que estou bem. Mas seria um desperdício do meu fôlego. Não podemos sobreviver a duas tentativas de assassinato, Jeremy. E sei que, caso você descubra que estou fingindo, sua terceira tentativa de me matar vai acabar sendo bem-sucedida.

    Não estou fazendo tudo isso para tentar fazer você mudar de ideia, ou provar que está errado. Você nunca mais vai confiar em mim de novo.

    Tudo que estou fazendo é por Crew. Só penso no meu menininho. Tudo o que fiz desde o dia em que acordei no hospital é por Crew. Ainda que eu não queira afastá-lo de você, não tenho escolha. Ele é meu filho e precisa ficar comigo. Ele é o único que sabe que estou aqui. Sabe que ainda tenho pensamentos, uma voz e um plano. Fico segura em ser eu mesma com ele, porque ele só tem 5 anos. Se ele disser a você que nós conversamos, você vai achar que é imaginação ou até mesmo o trauma depois de tudo o que aconteceu.

    É por causa dele que procurei tanto por esse manuscrito. Sei que, se algum dia você nos encontrar depois que eu fugir, vai tentar usá-lo contra mim. Vai tentar fazer Crew acreditar nele, como você acredita.

    Na primeira noite depois que voltei do hospital para casa, fui até o escritório para apagar o manuscrito do computador, mas você já tinha feito isso. Tentei encontrar a cópia impressa, mas já não sabia mais onde estava. Depois do acidente, tive alguns lapsos de memória, e esse era um deles. Mas sabia que tinha que me livrar dele para que você não o usasse contra mim.

    Sempre que tinha uma chance, procurava o manuscrito em todos os lugares, o mais silenciosamente possível. No escritório, no porão, no sótão. Até procurei no quarto algumas vezes enquanto você dormia. Sabia que não podia fugir com Crew antes de destruir aquela prova que você usaria contra mim.

    Também precisava encontrar um jeito de conseguir dinheiro. Mas não sabia muito bem como, não dava para sair dirigindo até o banco. Quando ouvi suas conversas com a Pantem Press sobre a ideia brilhante deles para continuar a série com um novo autor, sabia que aquela era a minha chance.

    Quando contratou uma enfermeira noturna e viajou para a reunião em Manhattan, entrei no escritório e abri uma nova conta no banco pela internet. Dias depois da reunião, a nova autora já estava se mudando para cá para começar a escrever a série. Era uma questão de tempo até que o pagamento dos três livros restantes caísse na conta, eu pudesse transferir para a minha nova conta e fugir daqui com Crew.

    Só me resta esperar pela melhor oportunidade, mas a nova coautora está deixando as coisas difíceis. De alguma forma ela encontrou o manuscrito que eu procurava. Certamente você achou que teria se livrado dele ao apagar do computador. Mas não. Agora são dois contra mim. Não me importo mais em destruir o manuscrito a essa altura. Só quero ir embora daqui.

    Eu admito, ela está ficando desconfiada por minha culpa. Sei que fica assustada quando percebe que estou olhando para ela, mas é difícil evitar. Essa mulher entrou em nossa vida, está assumindo o controle da minha carreira, está se apaixonando por você. E, pelo que estou vendo, você está se apaixonando por ela também.

    Ouvi vocês dois transando no nosso quarto agora há pouco. Por mais que esteja magoada, estou igualmente irritada. No entanto, você está tão ocupado com ela agora que me pareceu o momento mais seguro para escrever esta carta. Tranquei a porta do quarto principal, assim vou ouvir quando vocês tentarem sair. Vai me dar tempo para escrever esta carta e voltar para o meu lugar antes que você suba para o segundo andar.

    Está sendo difícil, Jeremy, não vou mentir. Tudo isso. Saber que você acreditou mais naquelas palavras do que em todas as minhas ações ao longo do nosso casamento. Saber que preciso me humilhar dessa maneira para evitar ser condenada pelo crime mais abominável que uma mãe poderia cometer. Saber que você se apaixonou por outra mulher enquanto passo meus dias fingindo estar alheia ao que nossa vida se transformou.

    Mas continuo insistindo porque tenho certeza de que vou conseguir sair daqui assim que o dinheiro cair. É por isso que estou deixando esta carta. Talvez você a encontre, talvez não. Espero que encontre. Espero mesmo. Porque, mesmo depois de tentar me enforcar e bater com…

    Quotes

    FAQs

    Note