Header Image
    Cover of Verity (Colleen Hoover)
    Novel

    Verity (Colleen Hoover)

    by

    Capí­tu­lo Qua­torze começa no auge da ence­nação per­fei­ta, onde cada gri­to, gesto e expressão de deses­pero fazia parte de uma farsa cal­cu­la­da. Por den­tro, eu vibra­va com a con­cretiza­ção do meu plano, mas por fora, eu pre­cisa­va man­ter o papel da mãe arrasa­da. Poli­ci­ais cor­ri­am de um lado para o out­ro, paramédi­cos estavam pron­tos, e os curiosos se aglom­er­avam às mar­gens, atraí­dos pelo dra­ma de uma supos­ta tragé­dia famil­iar. O ros­to de Jere­my, mer­gul­han­do repeti­da­mente na água, me causa­va uma estran­ha sat­is­fação — era como se sua dor fos­se o preço que ele pre­cisas­se pagar por não enx­er­gar a ver­dade antes. Crew per­mane­cia cal­a­do ao meu lado, os olhos fixos no vazio, sem enten­der que a irmã nun­ca voltaria. Naque­le instante, a úni­ca coisa que eu pre­cisa­va faz­er era man­ter o con­t­role da nar­ra­ti­va — a história que eu con­taria pre­cisa­va ser per­fei­ta, pre­cisa, sem margem para dúvi­das.

    A comoção era exata­mente como eu imag­inei: impren­sa à dis­tân­cia, ofi­ci­ais orga­ni­zan­do áreas de bus­ca, e olhares de com­paixão dire­ciona­dos a mim. Era o cenário de uma mul­her destruí­da, cuja fil­ha havia desa­pare­ci­do em cir­cun­stân­cias trág­i­cas. Mas para mim, aqui­lo era a chance de recomeçar. Uma vida sem Harp­er sig­nifi­ca­va menos com­petição, menos ruí­do, menos risco de perder Jere­my para a imagem ide­al­iza­da de um pas­sa­do famil­iar. Min­ha ambição era uma nova ver­são da mater­nidade, limpa de ruí­dos, cen­tra­da em Crew e no rela­ciona­men­to que eu pode­ria recon­stru­ir com Jere­my. Ape­sar do teatro con­vin­cente, um traço quase imper­cep­tív­el de remor­so ameaça­va que­brar min­ha facha­da. Ver a con­fusão no ros­to de Crew, seu olhar per­di­do me procu­ran­do para enten­der o que havia acon­te­ci­do, foi um golpe ines­per­a­do — o reflexo da dor que eu havia plan­ta­do no coração dele.

    Nos dias que se seguiram, as bus­cas se inten­si­ficaram e a comu­nidade começou a se envolver mais ati­va­mente. Vol­un­tários foram recru­ta­dos, drones foram usa­dos para vas­cul­har a área, e cães fare­jadores ampli­aram o alcance. Tudo isso reforça­va a gravi­dade da situ­ação aos olhos de quem via de fora, mas para mim, era ape­nas mais uma cama­da de cred­i­bil­i­dade à min­ha história. O sofri­men­to de Jere­my se tornou quase insu­portáv­el de assi­s­tir — suas mãos trê­mu­las, o cansaço estam­pa­do em cada pas­so, a que­bra evi­dente de um homem que esta­va per­den­do não só a fil­ha, mas a esper­ança. Ain­da assim, ele não sus­peita­va de mim. Essa con­fi­ança cega que ele ain­da deposi­ta­va na min­ha dor fin­gi­da era exata­mente o que eu pre­cisa­va para man­ter o con­t­role. Ninguém cog­i­ta­va que a respon­sáv­el estivesse ali, ao lado dele, choran­do lágri­mas fal­sas enquan­to arquite­ta­va cada nova eta­pa do que viria a seguir.

    Mes­mo com a polí­cia inter­ro­gan­do repeti­da­mente sobre os acon­tec­i­men­tos do dia, eu man­tive min­ha ver­são intac­ta. Fatos fri­a­mente cal­cu­la­dos, crono­gra­mas plane­ja­dos com pre­cisão e gestos prat­i­ca­dos diante do espel­ho garan­ti­ram que nen­hu­ma fal­ha se rev­e­lasse. O cor­po de Harp­er não tin­ha sido encon­tra­do, o que aumen­ta­va ain­da mais o mis­tério — e, con­se­quente­mente, min­ha aura de víti­ma. No entan­to, essa ausên­cia tam­bém era uma ameaça. Bas­taria um úni­co erro, uma lem­brança mal con­duzi­da por Crew, ou uma con­fis­são ines­per­a­da, para que tudo ruísse. Era por isso que eu me man­tinha próx­i­ma, zelando por ele com mais ded­i­cação do que nun­ca, não por amor, mas por medo. Era essen­cial que Crew não se lem­brasse do que real­mente acon­te­ceu naque­le lago.

    O tem­po começou a dis­torcer a per­cepção das pes­soas. Pas­sa­dos alguns dias, o caso pas­sou a ser trata­do como uma pos­sív­el tragé­dia sem solução. Enquan­to isso, Jere­my ten­ta­va man­ter a roti­na de Crew, levando‑o à esco­la, indo a gru­pos de apoio, fazen­do o pos­sív­el para man­ter algu­ma esta­bil­i­dade. Em casa, eu desem­pen­ha­va o papel da esposa em luto, cuidan­do da casa, coz­in­han­do refeições recon­for­t­antes, e garan­ti­n­do que, aos olhos dele, eu ain­da fos­se a mul­her con­fiáv­el com quem ele havia con­struí­do uma vida. A cada noite, eu obser­va­va o modo como ele me olha­va — cansa­do, que­bra­do, mas ain­da com um traço de gratidão. Era como se eu tivesse me tor­na­do seu pon­to de apoio, a úni­ca coisa con­stante em meio ao colap­so.

    O que ele não sabia, e talvez nun­ca soubesse, era que aque­la esta­bil­i­dade era uma ilusão cuida­dosa­mente con­struí­da. Eu o fazia acred­i­tar que a dor esta­va sendo divi­di­da entre nós, quan­do na ver­dade, era ele quem a car­rega­va soz­in­ho. E quan­to mais o tem­po pas­sa­va, mais eu me con­ven­cia de que meu plano havia fun­ciona­do. Mas uma parte de mim, peque­na e incô­mo­da, sus­sur­ra­va que a ver­dade tem uma maneira cru­el de emer­gir. Não impor­ta o quan­to você tente enter­rá-la, ela sem­pre encon­tra uma rachadu­ra por onde escapar. E naque­le momen­to, eu perce­bi que o maior peri­go não era ser pega — era o que restaria de mim se um dia Jere­my desco­brisse quem eu real­mente era.

    Quotes

    FAQs

    Note