Verity (Colleen Hoover)
Capítulo 4
byCapítulo 4 começa com um pensamento que muitos escritores relutam em admitir: a dúvida sobre sua própria capacidade. A protagonista, durante uma longa viagem de carro, poderia ter feito diversas coisas – ligar para uma amiga distante, planejar seu futuro, ou até relaxar ouvindo música – mas opta por mergulhar no audiolivro de Verity Crawford. Essa escolha, aparentemente inofensiva, acaba desestabilizando sua autoestima. Ao ouvir o talento cru e a ousadia da autora, ela sente as mãos apertarem o volante, como se estivesse segurando sua própria insegurança. A qualidade da escrita de Verity é inegável, e isso gera uma comparação inevitável, típica do mundo literário onde a confiança se alterna entre arrogância e autoquestionamento. É um lembrete poderoso de como os escritores muitas vezes se tornam seus maiores críticos, mesmo diante de conquistas.
Essa viagem também revela algo mais profundo: a tensão entre sucesso e anonimato. Apesar da proposta promissora de finalizar a renomada série de Verity, a protagonista hesita. Ela nunca buscou fama; queria apenas sobreviver com sua escrita. Mas agora, sendo colocada sob os holofotes, teme que seu nome seja engolido por expectativas irreais. O desafio não está só em escrever os próximos volumes, mas em lidar com a pressão de dar continuidade a uma obra que já impactou milhões de leitores. No universo editorial, esse tipo de transição é raro e sensível – e pode determinar o rumo de uma carreira inteira. Essa insegurança é agravada pela instabilidade financeira que ela enfrenta, o que mostra o quanto o glamour da escrita é muitas vezes apenas uma fachada para realidades duras e silenciosas.
A chegada à casa de Verity marca uma virada de atmosfera. O portão de ferro, o caminho cercado por árvores, e o silêncio pesado criam uma sensação de isolamento quase cinematográfica. A casa, estimada em mais de 3 milhões, não transmite aconchego, mas sim uma aura sombria e densa. A arquitetura imponente e os elementos como a hera cobrindo a fachada remetem a uma narrativa gótica, em que os espaços físicos refletem os traumas emocionais dos moradores. O encontro com Crew, o filho de Jeremy, é desconcertante. A criança, com semblante sério e poucas palavras, carrega nos olhos a dor de alguém que viveu perdas imensuráveis. Isso já nos prepara emocionalmente para o ambiente de luto e incerteza que se estende por todos os cômodos da casa.
Ao entrar, a escritora é recebida por Jeremy, que está visivelmente mais casual e menos misterioso do que quando o conheceu. O contraste entre a grandiosidade da casa e o clima intimista entre pai e filho oferece um alívio breve, mas eficaz. Jeremy mostra o quarto onde ela ficará, revelando que agora dorme no andar de cima com Crew para mantê-lo próximo da mãe. Apesar da gentileza, a sensação de estar invadindo um espaço alheio é constante. Ainda mais ao ser levada ao quarto de Verity, onde ela encontra a autora deitada, com os olhos vagos, alheia ao mundo ao seu redor. Essa imagem é chocante. Verity, antes um símbolo de talento e força criativa, agora é apenas a sombra do que foi, confinada a uma cama e dependente de cuidados.
A apresentação à enfermeira April, que expressa surpresa com a juventude da protagonista, reforça o ceticismo ao redor da nova autora. Isso é comum em ambientes profissionais, onde idade e aparência ainda são usadas como métrica de competência. Mesmo assim, ela se mantém firme. A visita ao escritório de Verity é outro momento simbólico. Ali, entre papéis desorganizados, ideias escritas em guardanapos e livros traduzidos em várias línguas, a escritora percebe o peso da missão que lhe foi confiada. O caos criativo de Verity é intimidador, mas também inspirador. Muitos escritores desenvolvem processos únicos de escrita, e entender isso pode ajudar a desmistificar a ideia de que a genialidade segue regras rígidas.
Ao folhear um dos livros da série, a nova autora se vê presa em sua trama, incapaz de largar a leitura por horas. Esse momento serve como um lembrete do que a literatura pode fazer: prender, perturbar, transformar. Ela percebe que para continuar essa série, terá que mergulhar nesse mesmo estado mental – sombrio, intenso e visceral. A escrita, aqui, não é apenas um ofício, mas um ato de coragem. Jeremy, por sua vez, admite que não consegue mais ler os livros da esposa. Essa confissão traz à tona a complexidade emocional envolvida no relacionamento deles e como a linha entre ficção e realidade, para ele, se tornou dolorosamente tênue.
Esse capítulo reforça que escrever não é só sobre técnica, mas também sobre suporte emocional, ambiente e segurança. E talvez o conforto – ou a ausência dele – influencie mais do que imaginamos no processo criativo. Verity tinha todas as ferramentas, mas agora está ausente. A nova autora tem a chance, mesmo com receios, de transformar dor e dúvida em algo poderoso. E no fundo, esse é o coração da literatura: transformar sentimentos brutos em palavras que tocam.
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