Verity (Colleen Hoover)
Capítulo 1
byCapítulo 1 marca o início de um dia que prometia ser comum, mas foi interrompido por um impacto repentino que ainda ecoa na minha mente. O som do crânio quebrando antecedeu até mesmo o sangue quente que manchou minha roupa. O homem ao meu lado, distraído pela tela do celular, atravessou fora da faixa e foi colhido por um caminhão que não teve como frear a tempo.
Os instantes seguintes se desdobraram em câmera lenta. Meus reflexos foram inúteis; meus dedos tocaram apenas o ar antes que ele fosse atingido. Era evidente que ele estava morto mesmo antes da sirene da ambulância ecoar pela avenida, e o sangue espalhado por minha blusa contava a história completa.
Pessoas passaram por mim como se nada tivesse acontecido, algumas sequer levantaram os olhos de seus telefones. Nova York é assim: tragédias individuais não causam comoção coletiva. Em outra cidade, gritos e comoção tomariam o espaço; aqui, o fluxo do dia segue quase intacto.
Eu, que sempre busquei anonimato entre os arranha-céus, me vi manchada por uma tragédia que se recusava a ser ignorada. Senti-me deslocada entre a multidão, presa entre a obrigação de seguir para minha reunião e o desejo de desaparecer. No entanto, fiquei ali, paralisada no meio-fio, incapaz de continuar como se nada tivesse acontecido.
Foi então que um estranho me tocou o braço, perguntando se eu estava ferida. Seu tom, carregado de uma empatia rara nessa cidade, me fez hesitar. Disse que o sangue não era meu, mas minha voz falhou ao tentar explicar o resto.
Ele me conduziu até uma cafeteria próxima, indicando o banheiro como refúgio. Mesmo sem saber seu nome, confiei nele. Ao trancar a porta para me proteger de olhares curiosos, demonstrou mais cuidado do que muitos que conheço há anos.
O espelho revelou o estrago: manchas no rosto, gotas secas escurecendo minha pele, uma sobrancelha suja. Sem dizer palavra, ele molhou papéis para que eu pudesse me limpar. O gesto era silencioso, mas carregado de solidariedade.
Tirei a blusa suja, envergonhada por estar com um sutiã velho na frente de um desconhecido. Em resposta, ele tirou a própria camisa, entregando-a para que eu pudesse me cobrir. A roupa era larga demais, mas oferecia dignidade.
Enquanto me trocava, ele desviou o olhar com respeito. Sua gentileza contrastava com o caos recente, e por um momento, senti que havia encontrado uma âncora no meio da tormenta. Mesmo assim, era impossível ignorar o anel de casamento brilhando em sua mão.
Curiosa, perguntei seu nome. “Jeremy”, ele respondeu, depois de um instante. Não parecia alguém que desejasse ser notado — talvez estivesse, como eu, tentando ser esquecido nesta cidade que nunca para.
Falei do acidente, do sangue, da morte, e ele escutou com um silêncio compassivo. Quando mencionei minha mãe, que havia morrido de câncer uma semana antes, não houve julgamento, apenas compreensão. Pela primeira vez em muito tempo, alguém ouviu sem tentar consertar nada.
Foi então que ele compartilhou seu próprio abismo: a morte da filha de oito anos, afogada em um lago. Minhas tragédias pareceram pequenas perto disso, mas ele não competia. Apenas compartilhava sua dor de maneira crua e honesta.
Ficamos ali, como dois estranhos unidos pelo trauma. Nenhuma solução foi proposta, nenhuma promessa feita. Apenas silêncio e respeito mútuo.
Antes de sair, Jeremy perguntou se eu ficaria bem. Assenti, embora não tivesse certeza. Sua gentileza havia me tocado, mas eu ainda estava em pedaços.
Na rua novamente, me dirigi ao local do acidente e dei meu depoimento. As autoridades anotaram meus dados, mas duvido que eu tenha contribuído com algo útil. A tragédia já estava sendo esquecida enquanto o trânsito se reorganizava.
Jeremy passou por mim outra vez, com um café nas mãos e o olhar focado em algum destino que não incluía meu nome. Ainda assim, ele deixou uma marca invisível — o tipo de conexão breve que só acontece quando duas dores se reconhecem. E que, mesmo passageira, permanece.
0 Comments