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    Cover of Verity (Colleen Hoover)
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    Verity (Colleen Hoover)

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    Capí­tu­lo 9 começa com a per­cepção de que, mes­mo ten­do chega­do há ape­nas cin­co dias, já me sin­to com­ple­ta­mente absorvi­da pela lentidão e estran­heza dessa casa. A difer­ença em relação à vida agi­ta­da que lev­a­va em Nova York é tão mar­cante que parece que meses se pas­saram. Com a notí­cia de que Ver­i­ty está com febre e per­manecerá mais iso­la­da, sin­to um alívio descon­cer­tante, como se sua ausên­cia tem­porária clar­e­asse o ar. No entan­to, esse alívio é logo sub­sti­tuí­do por uma obser­vação inten­sa: Jere­my, sen­ta­do na varan­da, envolto em pen­sa­men­tos, atrai min­ha atenção. Seu olhar per­di­do, a bar­ba por faz­er e a expressão car­rega­da de dor silen­ciosa me causam um fascínio inqui­etante. Quan­do nos­sos olhos se encon­tram por um instante, há algo com­par­til­ha­do, como um pen­sa­men­to silen­cioso entre dois estran­hos que car­regam peso demais para expres­sar em palavras.

    A ten­são impreg­na­da nas pare­des dessa casa é con­stante, como se cada cômo­do guardasse uma lem­brança incô­mo­da. Sin­to meu cor­po rea­gir fisi­ca­mente, com ansiedade à flor da pele, a pon­to de pen­sar em tomar um com­prim­i­do para aliviar a angús­tia. Antes que eu pos­sa agir, um gri­to cor­ta o silên­cio, vin­do do andar de cima. Cor­ro e encon­tro Crew com um corte na mão e uma faca ao lado. Seu rela­to, emb­o­ra sim­ples, é per­tur­bador: ele afir­ma que Ver­i­ty lhe disse para não tocar na faca. Essa frase car­rega impli­cações que me par­al­isam. É como se, de repente, Ver­i­ty — mes­mo debil­i­ta­da — estivesse se comu­ni­can­do de for­mas que desafi­am a lóg­i­ca. O medo começa a se infil­trar, não como um sus­to pas­sageiro, mas como uma dúvi­da con­stante sobre o que é real e o que min­ha mente pode estar fab­ri­can­do.

    Enquan­to cui­do do fer­i­men­to de Crew, ten­to man­ter a cal­ma, mas min­ha mente corre em cír­cu­los. Deci­do ver­i­ficar o quar­to de Ver­i­ty, em bus­ca da faca ou qual­quer out­ra pro­va do que Crew disse, mas não encon­tro nada. Essa ausên­cia de evidên­cia me deixa vul­neráv­el e desa­cred­i­ta­da. Pouco depois, ao voltar ao quar­to, perce­bo Ver­i­ty imóv­el em sua cama — porém seus olhos pare­cem me seguir. Por um segun­do, acred­i­to que ela me obser­va. Esse momen­to é breve, mas assom­broso. A sen­sação de ser obser­va­da por alguém que suposta­mente não está con­sciente altera min­ha per­cepção da casa inteira. Uma pesquisa da Nation­al Insti­tutes of Health rev­el­ou que cer­tos pacientes em esta­do veg­e­ta­ti­vo podem demon­strar níveis mín­i­mos de con­sciên­cia, o que tor­na ain­da mais inqui­etante a ideia de Ver­i­ty estar ciente, mas inca­paz de respon­der.

    Quan­do Jere­my chega para ver­i­ficar a situ­ação, ele parece mais pre­ocu­pa­do com o bem-estar de Crew do que com os detal­h­es da faca. Ten­to explicar, mas perce­bo que ele não com­par­til­ha da mes­ma urgên­cia. Ele exam­i­na o ambi­ente, mas como a faca não está mais lá, nada parece fora do comum aos olhos dele. Isso me iso­la emo­cional­mente, como se estivesse sendo víti­ma de min­ha própria imag­i­nação. Ain­da assim, den­tro de mim, há algo que não con­si­go igno­rar: o olhar de Ver­i­ty, o tom da voz de Crew, e a con­stante sen­sação de que estou sendo manip­u­la­da por forças invisíveis. Cada detal­he, cada gesto, car­rega uma ten­são silen­ciosa.

    Naque­la noite, fico acor­da­da, reviven­do a cena repeti­das vezes, ten­tan­do encon­trar sen­ti­do em tudo. As dúvi­das crescem: teria Crew inven­ta­do aqui­lo? Teria eu inter­pre­ta­do mal o que vi? Ou será que Ver­i­ty está con­sciente e se comu­ni­can­do com o fil­ho de maneira que ninguém mais percebe? A ideia de que ela pos­sa estar mais pre­sente do que fin­ge se tor­na cada vez mais plausív­el. E, se for ver­dade, o que mais ela pode­ria estar fazen­do sob o dis­farce da imo­bil­i­dade? A incerteza me con­some.

    A exper­iên­cia deixa mar­cas que vão além do medo. A con­fi­ança entre os moradores da casa começa a se desin­te­grar. Jere­my, ape­sar de gen­til, parece alheio às camadas mais pro­fun­das do que está acon­te­cen­do. A casa, por sua vez, deixa de ser um abri­go e começa a pare­cer um labir­in­to emo­cional, onde tudo pode ser real ou pro­du­to do delírio. No fim, tomo a decisão de dormir com a por­ta tran­ca­da. Não porque ten­ho certeza de que algo está erra­do — mas porque não pos­so mais garan­tir que este­ja tudo cer­to. Quan­do a dúvi­da se tor­na maior que a real­i­dade, o medo deixa de ser um sin­toma e pas­sa a ser uma pro­teção. E talvez, naque­la casa, o medo seja o úni­co ali­a­do con­fiáv­el.

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