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    Cover of Verity (Colleen Hoover)
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    Verity (Colleen Hoover)

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    Capí­tu­lo 7 começa com a últi­ma pági­na do man­u­scrito escapan­do das min­has mãos e deslizan­do silen­ciosa­mente pelo chão de madeira. Ao pegá-la, perce­bo que cada nova lin­ha lida pesa mais do que a ante­ri­or. Ain­da ajoel­ha­da no escritório, as lágri­mas ameaçam sur­gir, mas recu­so-me a deixá-las cair. Foco na dor nos joel­hos para desviar dos sen­ti­men­tos. A mente gira, con­fusa entre indig­nação, tris­teza e uma rai­va silen­ciosa. A certeza, porém, se cristal­iza: Ver­i­ty escreveu aqui­lo porque era real para ela. Nen­hu­ma auto­ra colo­caria no papel pen­sa­men­tos tão cruéis sobre seus próprios fil­hos se não tivessem, em algum momen­to, pas­sa­do por sua cabeça. Não se tra­ta mais de ficção — tra­ta-se de uma con­fis­são escri­ta com frieza.

    Guar­do o man­u­scrito no fun­do de uma gave­ta, escon­di­do sob out­ras coisas. A ideia de Jere­my desco­brir aqui­lo me per­tur­ba, pois ele já car­rega dor sufi­ciente com a per­da das fil­has. Saber que a mãe delas pode ter cau­sa­do parte desse sofri­men­to seria insu­portáv­el. Rezo para que Ver­i­ty ten­ha se red­imi­do em algum momen­to após o nasci­men­to das meni­nas, mas estou abal­a­da demais para con­tin­uar a leitu­ra. Uma bebi­da parece necessária. Revis­to armários e a geladeira em bus­ca de álcool, mas não encon­tro nada. Quan­do Jere­my surge per­gun­tan­do se estou bem, perce­bo que min­ha angús­tia já trans­parece. Peço algo com álcool, e ele me ofer­ece uísque com refrig­er­ante. Sen­to, tremen­do, e ele me obser­va com atenção enquan­to bebo.

    Jere­my percebe min­ha inqui­etação, e ten­ta enten­der o que hou­ve. Minto dizen­do que o livro de Ver­i­ty me assus­tou, evi­tan­do rev­e­lar a ver­dade sobre o que li. Ele ri, sur­pre­so com min­ha reação exager­a­da a um tex­to, e sug­ere que eu dev­e­ria escr­ev­er histórias român­ti­cas. Ten­to pare­cer mais tran­quila, e ele ofer­ece o jan­tar que ain­da está quente. A comi­da me acal­ma mais do que eu esper­a­va. Ao provar o fran­go, elo­gio o sabor, e Jere­my parece se aliviar tam­bém. A con­ver­sa muda de tom, e aproveito para per­gun­tar sobre o esta­do de Ver­i­ty. Segun­do Jere­my, ela não apre­sen­ta avanços. Seu cére­bro fun­ciona de for­ma quase prim­i­ti­va, e qual­quer recu­per­ação parece dis­tante.

    Crew aparece, vestin­do pija­mas e car­regan­do um iPad, e se sen­ta no colo do pai. Obser­var essa cena me emo­ciona — Jere­my é um pai pre­sente, e Crew, mes­mo com tão pou­ca idade, parece seguro e feliz em sua com­pan­hia. Essa relação entre os dois mostra que ain­da há afe­to e equi­líbrio em meio a tan­to caos. Pen­so em como Ver­i­ty, com todo seu históri­co descrito no man­u­scrito, teria aceita­do ter out­ro fil­ho. Talvez o nasci­men­to das meni­nas ten­ha muda­do algo nela. Talvez o man­u­scrito fos­se uma for­ma de se lib­er­tar da cul­pa, de colo­car no papel aqui­lo que sen­tia antes de apren­der a amar. Como um ato de con­fis­são silen­ciosa.

    Essa con­clusão traz algum alívio. O rela­to de Jere­my sobre as lim­i­tações de Ver­i­ty con­fir­ma que ela não é mais uma ameaça. Crew encos­ta a cabeça no ombro do pai e os dois sobem jun­tos. O car­in­ho que Jere­my demon­stra e o modo como me chama de Lau­ra na frente dos out­ros, mas de Lowen quan­do esta­mos a sós, me fazem perce­ber que estou começan­do a gostar demais da prox­im­i­dade dele. Ten­to não pen­sar muito nis­so. Lavo a louça do jan­tar e me sin­to mel­hor, talvez pela comi­da, pela con­ver­sa, ou pela esper­ança de que o man­u­scrito pos­sa tomar um rumo menos som­brio nos próx­i­mos capí­tu­los. Na saí­da da coz­in­ha, fotos de família me fazem parar no corre­dor.

    As ima­gens retratam uma família boni­ta e uni­da. As meni­nas, muito pare­ci­das com Ver­i­ty, con­trastam com Crew, que her­dou o ros­to do pai. Uma delas, sem­pre sor­ri­dente, tem uma peque­na cica­triz na bochecha. A out­ra rara­mente sor­ri. Fico intri­ga­da ao notar que a cica­triz já esta­va ali des­de bebê. Quan­do Jere­my desce as escadas, per­gun­to qual das meni­nas é Chastin, e ele apon­ta a da cica­triz. Expli­ca que o médi­co disse ser uma cica­triz nat­ur­al, cau­sa­da pela dis­pu­ta de espaço no útero — algo rel­a­ti­va­mente comum entre gêmeos.

    Min­ha mente, no entan­to, con­sid­era out­ra pos­si­bil­i­dade: a ten­ta­ti­va de abor­to descri­ta por Ver­i­ty. A per­gun­ta que faço sobre a aler­gia delas escapa sem pen­sar. Jere­my percebe que pesqui­sei sobre a morte das meni­nas, mas não se inco­mo­da. Responde que ape­nas Chastin era alér­gi­ca a amen­doim. O silên­cio entre nós se tor­na mais den­so. Ele nota a cica­triz na min­ha mão e a toca suave­mente, per­gun­tan­do como a adquiri. Fecho a mão, não por ver­gonha da mar­ca, mas porque o toque dele me causa uma sen­sação ines­per­a­da. Agradeço pelo jan­tar e vou dire­to para o quar­to, fechan­do a por­ta atrás de mim.

    Encos­to-me, ten­tan­do recu­per­ar o con­t­role. Jere­my é gen­til, car­in­hoso e leal. Mes­mo com a esposa em um esta­do veg­e­ta­ti­vo, con­tin­ua a tratá-la com respeito e cuida­do. Isso o tor­na ain­da mais admiráv­el. Talvez o descon­for­to que sin­to ven­ha da cul­pa — por me per­mi­tir ter sen­ti­men­tos por alguém que ain­da está pre­so a um pas­sa­do que não se des­fez.

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