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    Cover of Verity (Colleen Hoover)
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    Verity (Colleen Hoover)

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    Capí­tu­lo Três

    Sabia que esta­va grávi­da porque meus peitos estavam mais boni­tos do que nun­ca.

    Ten­ho um grande entendi­men­to do meu próprio cor­po: o que colo­co nele, as maneiras cor­re­tas de nutri-lo e de man­tê-lo em for­ma. Depois de pas­sar a vida assistin­do à min­ha mãe engor­dar por pura preguiça, eu mal­ho diari­a­mente, às vezes até duas vezes por dia.

    Apren­di muito cedo que seres humanos não são com­pos­tos de uma coisa só.
    Somos duas partes que com­põem o todo.

    Temos a con­sciên­cia, que inclui a mente e a alma, as partes intangíveis.
    E temos o ser físi­co: a máquina que sus­ten­ta a con­sciên­cia e nos faz sobre­viv­er.

    Se estra­gar essa máquina, você morre. Se neg­li­gen­ciar essa máquina, você morre. Se achar que sua con­sciên­cia pode sobre­viv­er sem a máquina, você morre logo depois de desco­brir que esta­va erra­do.

    É até bem sim­ples. Cuide de seu ser físi­co. Ali­mente-se com o que seu cor­po pre­cisa, não com o que sua con­sciên­cia quer. Sucumbir aos dese­jos da mente que dan­i­fi­cam o cor­po é como ser um pai fra­co que cede aos dese­jos do fil­ho.
    “Ah, você teve um dia ruim? Quer uma caixa inteira de bis­coitos? Tudo bem, queri­do. Pode com­er. E pode beber esse refrig­er­ante tam­bém.”

    Cuidar do cor­po não é tão difer­ente de cuidar de uma cri­ança. Às vezes é difí­cil, às vezes é um saco, às vezes você quer desi­s­tir. Mas, se o fiz­er, vai usufruir das con­se­quên­cias uns dezoito anos depois.

    Foi exata­mente assim com a min­ha mãe. Ela cuidou de mim do mes­mo jeito que cui­da­va do cor­po. Muito pouco. Às vezes fico pen­san­do se con­tin­ua gor­da, se per­siste neg­li­gen­cian­do aque­la máquina. Não sei. Não falo com ela há anos.
    Mas não quero falar sobre uma mul­her que tomou a decisão de nun­ca mais falar comi­go. Quero falar sobre a primeira coisa que aque­le bebê roubou de mim.

    Jere­my.

    Não perce­bi isso no começo.

    A princí­pio, quan­do desco­b­ri­mos que a noite do noiva­do se tornou a noite em que engravi­damos, fiquei feliz. Esta­va feliz porque Jere­my esta­va feliz. Naque­la altura, além de meus peitos estarem mais boni­tos do que nun­ca, eu não tin­ha mui­ta noção de quan­to a gravidez seria noci­va para aque­la máquina que eu man­tinha com tan­to esforço.

    Foi por vol­ta do ter­ceiro mês, algu­mas sem­anas após desco­brir a gravidez, que come­cei a perce­ber a difer­ença. Ain­da era uma panc­in­ha peque­na, mas esta­va ali. Tin­ha acaba­do de sair do ban­ho e esta­va em frente ao espel­ho, de per­fil. Com a mão no estô­ma­go lev­e­mente pro­tu­ber­ante, eu sen­tia algo estran­ho, um intru­so. Tive nojo. Prometi a mim mes­ma começar a mal­har três vezes por dia. Já tin­ha vis­to o que a gravidez podia faz­er com uma mul­her, mas tam­bém sabia que o pior estra­go vin­ha no últi­mo trimestre. Se eu con­seguisse encon­trar um jeito de dar à luz antes, por vol­ta da 33ª ou 34ª sem­ana, talvez pudesse evi­tar a parte mais noci­va da gravidez.

    — Uau.
    Tirei a mão da bar­ri­ga e olhei para a por­ta. Jere­my esta­va encosta­do no batente, os braços cruza­dos no peito, e sor­ria para mim.
    — Já está começan­do a apare­cer.
    — Não está, não — respon­di, encol­hen­do a bar­ri­ga.

    Ele sor­riu e chegou mais per­to, me abraçan­do por trás. Colo­cou as duas mãos em min­ha bar­ri­ga e olhou para mim pelo espel­ho.
    — Você nun­ca esteve tão lin­da — disse ele, bei­jan­do meu ombro.

    Era uma men­ti­ra para eu me sen­tir mel­hor, mas fiquei agrade­ci­da. Até as men­ti­ras dele me agra­davam. Apertei suas mãos, ele me virou de frente e me bei­jou, me empurran­do até a ban­ca­da do ban­heiro. Depois de me colo­car sen­ta­da ali, se encaixou entre min­has per­nas.

    Ele esta­va com­ple­ta­mente vesti­do, tin­ha acaba­do de chegar do tra­bal­ho. Eu esta­va com­ple­ta­mente nua, tin­ha acaba­do de sair do ban­ho. As úni­cas bar­reiras entre nós eram a calça dele e a pança que eu ain­da ten­ta­va encol­her.

    Começamos a transar na ban­ca­da, mas ter­mi­namos na cama.
    Ele esta­va com a cabeça em meu peito desen­han­do cír­cu­los na min­ha bar­ri­ga quan­do o estô­ma­go deu um ron­co altís­si­mo. Ten­tei pigar­rear para dis­farçar o barul­ho, mas ele riu.
    — Alguém está com fome.

    Come­cei a negar com a cabeça, mas ele se levan­tou e olhou para mim.
    — O que ela quer?
    — Nada. Não estou com fome.

    Ele riu de novo.
    — Não é você. É ela — disse, com a mão em meu estô­ma­go. — Mul­heres grávi­das não ficam com uns dese­jos esquisi­tos e querem com­er o tem­po todo? Você prati­ca­mente não come. E sua bar­ri­ga está crescen­do.
    Ele sen­tou na cama.
    — Pre­ciso ali­men­tar min­has meni­nas.

    Suas meni­nas.
    — Você ain­da nem sabe se é uma meni­na.

    Ele sor­riu para mim.
    — É uma meni­na. Pos­so sen­tir.

    Eu que­ria revi­rar os olhos. Tec­ni­ca­mente, não era nada. Nem meni­no, nem meni­na. No máx­i­mo era uma bol­ha. Esta­va muito no iní­cio, então acred­i­tar que aque­la coisa crescen­do em mim já esta­va com fome ou dese­jo de algu­ma comi­da especí­fi­ca era um absur­do. Mas não dava para diz­er isso a ele. Jere­my esta­va tão empol­ga­do com o bebê que eu nem lig­a­va que estivesse exageran­do na dose.
    Às vezes, a empol­gação dele me empol­ga­va.

    Nas sem­anas seguintes foi sua ani­mação que me aju­dou a lidar com tudo. Quan­to mais min­ha bar­ri­ga cres­cia, mais aten­cioso ele fica­va, e a bei­ja­va todas noites na cama.
    Pela man­hã, segu­ra­va meu cabe­lo enquan­to eu vom­i­ta­va. Do tra­bal­ho, me man­da­va sug­estões de nomes de bebês. Ele esta­va tão obceca­do pela min­ha gravidez quan­to eu era obceca­da por ele. Fomos jun­tos à primeira con­sul­ta com o médi­co.
    Fomos jun­tos tam­bém à segun­da con­sul­ta. Ain­da bem, porque foi ali que meu mun­do caiu.

    Gêmeas.
    Duas delas.

    Esta­va cal­a­da quan­do saí­mos do con­sultório naque­le dia. Já esta­va com medo de virar a mãe de um bebê. De ser obri­ga­da a amar a úni­ca coisa que Jere­my ama­va mais do que a mim. Mas quan­do desco­bri que eram duas, e ain­da por cima eram meni­nas, de repente não me con­for­ma­va mais em ser a ter­ceira coisa mais impor­tante da vida de Jere­my.

    Eu força­va o sor­riso quan­do ele fala­va sobre elas. Fin­gia ale­gria quan­do ele pas­sa­va a mão em min­ha bar­ri­ga, mas sen­tia repul­sa ao me lem­brar de que só fazia isso por causa delas. Mes­mo se con­seguisse dar à luz antes do tem­po, não faria difer­ença. Ago­ra que eram duas, o estra­go em meu cor­po seria ain­da mais inten­so. Tin­ha calafrios todos os dias só de pen­sar nelas crescen­do den­tro de mim, esti­can­do min­ha pele, arru­inan­do meus seios, min­ha bar­ri­ga e, Deus me livre, o tem­p­lo no meio das min­has per­nas ao qual Jere­my presta­va devoção todas as noites.

    Como ele ain­da vai me quer­er depois dis­so?

    No quar­to mês de gravidez come­cei a torcer para abor­tar. Reza­va para ver sangue quan­do ia ao ban­heiro. Fica­va imag­i­nan­do que, se perdesse as gêmeas, voltaria a ser pri­or­i­dade na vida de Jere­my. Ele iria me amar, idol­a­trar, cuidar e se pre­ocu­par comi­go, e não por causa daqui­lo que cres­cia den­tro de mim.

    Toma­va remé­dios para dormir quan­do ele não esta­va olhan­do. Bebia vin­ho se ele não esta­va em casa. Fiz tudo o que podia para destru­ir aque­las coisas que estavam afa­s­tan­do ele de mim, mas nada deu cer­to. Elas con­tin­uaram crescen­do. Min­ha bar­ri­ga seguia aumen­tan­do.

    No quin­to mês, está­va­mos deita­dos na cama de lado. Jere­my esta­va me pen­e­tran­do por trás. Sua mão esquer­da agar­rou meu peito e a dire­i­ta esta­va na min­ha bar­ri­ga. Não gostei de ter toca­do min­ha bar­ri­ga durante o sexo, porque me fez lem­brar dos bebês e estragou o cli­ma para mim.

    Achei que ele tin­ha atingi­do o orgas­mo quan­do parou de se mover, mas então notei que ele parou porque sen­tiu que elas se mover­am. Saiu de den­tro de mim, me colo­cou deita­da de costas e pousou a mão na bar­ri­ga.
    — Sen­tiu isso?

    Seus olhos bril­havam de exci­tação. Ele já não esta­va duro. A exci­tação não tin­ha nada a ver comi­go. Colo­cou o ouvi­do na bar­ri­ga e esper­ou que se movessem nova­mente.
    — Jere­my? — sus­sur­rei.

    Ele bei­jou a bar­ri­ga e me olhou.
    Pas­sei a mão em seus cabe­los.
    — Você as ama?

    Ele sor­riu achan­do que eu que­ria um sim.
    — Amo mais do que tudo.
    — Mais que a mim?

    Ele parou de sor­rir. Deixou a mão na bar­ri­ga, mas se anin­hou e colo­cou o braço sob meu pescoço.
    — De maneira difer­ente — respon­deu, bei­jan­do min­ha bochecha.
    — Está bem, de maneira difer­ente. Mas é mais? Seu amor por elas é mais inten­so do que por mim?

    Jere­my olhou bem em meus olhos, e eu esper­a­va que desse uma risa­da e dissesse “de jeito nen­hum”. Mas ele não fez isso. Olhou para mim com a maior hon­esti­dade do mun­do.
    — Sim.

    Sério? Essa respos­ta me destroçou. Fiquei sufo­ca­da. Mor­ta.
    — Mas é assim que deve ser — com­ple­tou. — Por quê? Você se sente cul­pa­da por amá-las mais do que a mim?

    Não respon­di. Ele acha mes­mo que as amo mais do que a ele? Eu nem con­heço elas.
    — Não se sin­ta cul­pa­da. Quero que você as ame mais do que a mim. Nos­so amor um pelo out­ro é condi­cional; o amor por elas, não.
    — Meu amor por você é incondi­cional.
    — Não é, não. Pos­so faz­er coisas pelas quais você nun­ca irá me per­doar. Mas sem­pre vai per­doar suas fil­has.

    Ele esta­va erra­do. Eu já não as per­doa­va por exi­s­tirem. Já não as per­doa­va por me jog­a­rem para o ter­ceiro lugar. Não as per­doa­va por terem arru­ina­do a min­ha noite de noiva­do.
    Elas não tin­ham nem nasci­do e já estavam rouban­do algo que era meu.

    — Ver­i­ty — sus­sur­rou, limpan­do uma lágri­ma que caíra em meu ros­to. — Você está bem?

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