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    Cover of Verity (Colleen Hoover)
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    Verity (Colleen Hoover)

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    Capí­tu­lo 8 mar­ca um pon­to de vira­da emo­cional para mim, já que deci­di inter­romper a leitu­ra do man­u­scrito de Ver­i­ty. Dois dias se pas­saram des­de o episó­dio da ten­ta­ti­va de abor­to que li, e ago­ra o tex­to per­manece escon­di­do, em silên­cio, como um seg­re­do pul­sante embaixo de pil­has de obje­tos. Mes­mo não abrindo mais aque­las pági­nas, sin­to sua pre­sença con­stante no escritório, como se a ener­gia daque­las palavras ain­da pairasse no ar. A cada dia, tor­na-se mais difí­cil man­ter a con­cen­tração no tra­bal­ho que vim faz­er, pois o man­u­scrito, mes­mo sem ser toca­do, me persegue em pen­sa­men­tos. Deixá-lo de lado momen­tanea­mente foi necessário para man­ter o foco e recu­per­ar um mín­i­mo de sanidade. Meu plano ain­da é ter­mi­nar o que come­cei, mas pre­cisa­va de dis­tân­cia para seguir adi­ante com a con­tin­u­ação da série de livros que me foi con­fi­a­da.

    Perce­bi que, ao parar de mer­gul­har no con­teú­do som­brio do man­u­scrito, a pre­sença de Ver­i­ty pas­sou a me causar menos medo. Ontem, ao sair para tomar um pouco de ar, notei que ela jan­ta­va com a família, algo que eu nun­ca havia pres­en­ci­a­do. Nas primeiras noites, sem­pre per­maneci no escritório, talvez por evi­tar esse tipo de inter­ação. A visão de Ver­i­ty sen­ta­da à mesa com Crew e Jere­my foi per­tur­bado­ra, mas ao mes­mo tem­po, banal. Pare­cia uma cena nor­mal de família, e talvez isso fos­se o mais assus­ta­dor: a nor­mal­i­dade mas­caran­do a ten­são. Hoje, com a chega­da da enfer­meira Myr­na, o ambi­ente se suavi­zou um pouco. Ela é uma mul­her calorosa, com um ros­to amigáv­el e palavras gen­tis, e sua pre­sença trouxe cer­to alívio àquela casa silen­ciosa.

    Myr­na tra­bal­ha nos fins de sem­ana, sub­sti­tuin­do April, que car­rega um ar de descon­fi­ança, espe­cial­mente em relação à min­ha pre­sença per­to de Jere­my. Não sei se ela jul­ga mal min­has intenções ou se ape­nas ten­ta pro­te­ger Ver­i­ty, mas fica claro que min­ha esta­dia aqui a inco­mo­da. Talvez pense que Jere­my e eu ten­hamos algo, o que não é ver­dade — emb­o­ra, às vezes, eu dese­je que fos­se. A exten­são da min­ha esta­dia, que ini­cial­mente me inco­mo­da­va, ago­ra se mostrou útil. Con­segui avançar nas leituras da série escri­ta por Ver­i­ty, e o esti­lo dela — sem­pre explo­ran­do o pon­to de vista dos vilões — começa a faz­er mais sen­ti­do. Isso me deu ideias claras sobre como con­tin­uar a saga, respei­tan­do a voz orig­i­nal da auto­ra. No entan­to, por cautela, con­tin­uo bus­can­do por ano­tações ou qual­quer pista deix­a­da por ela.

    Enquan­to estou remex­en­do uma das caixas no chão do escritório, rece­bo uma men­sagem de Corey. A Pan­tem havia feito um anún­cio ofi­cial me apre­sen­tan­do como coau­to­ra da série “As Vir­tudes Nobres”, algo que me deixou ner­vosa. O anún­cio nas redes soci­ais de Ver­i­ty é for­mal, mas car­rega iro­nias pesadas, como a afir­mação de que Ver­i­ty está entu­si­as­ma­da com a parce­ria. Ao ler os comen­tários dos seguidores, sou atingi­da por uma avalanche de críti­cas e descon­fi­ança. Palavras duras como “auto­ra medíocre” e “traição literária” saltam da tela e me atingem dire­ta­mente. Desli­go o celu­lar e guar­do den­tro da bol­sa, ten­tan­do não absorv­er tan­ta neg­a­tivi­dade.

    Jere­my, com sua pre­sença cal­ma, surge na por­ta me con­vi­dan­do para ir ao mer­ca­do. Aceito, mais por neces­si­dade práti­ca do que por dese­jo de socializar, emb­o­ra sai­ba que estar ao lado dele é uma ten­tação con­stante. O jipe que ele dirige sur­preende — cober­to de lama, robus­to e com­ple­ta­mente difer­ente do per­fil de exec­u­ti­vo que eu imag­inei. Isso reforça como a imagem que eu tin­ha de Jere­my está mudan­do. Ele é práti­co, real e difer­ente dos home­ns com quem me rela­cionei no pas­sa­do. A for­ma como me aju­da a sair do car­ro, abrindo a por­ta e segu­ran­do min­ha mão, me descon­cer­ta. É gen­til, é raro, e talvez por isso meu cor­po rea­ja de for­ma inten­sa e ines­per­a­da.

    No super­me­r­ca­do, con­ver­samos sobre comi­da de for­ma casu­al. Digo que gos­to de tacos, ele sor­ri, e com­pramos os ingre­di­entes jun­tos. Me ofer­eço para coz­in­har espaguete, o úni­co pra­to que sei preparar bem, e ele parece ani­ma­do com a ideia. Aproveito a chance de pegar absorventes, além de algu­mas roupas e itens pes­soais. Ain­da que não seja um seg­re­do, sin­to ver­gonha, um reflexo da for­ma como mul­heres muitas vezes são condi­cionadas a se escon­derem ness­es momen­tos nat­u­rais. Jere­my, no entan­to, me parece o tipo de homem que já com­prou isso para Ver­i­ty muitas vezes. Ele não seria do tipo a jul­gar.

    Na vol­ta, me deparo com duas mul­heres con­ver­san­do com Jere­my per­to da seção de sorvetes. São ami­gas de Ver­i­ty e, pelo olhar de jul­ga­men­to, não gostam de me ver ao lado dele. Seus olhares per­cor­rem min­has com­pras, e os absorventes pare­cem gan­har atenção espe­cial. A for­ma como Patri­cia ques­tiona quem sou, com aque­le tom de fofo­ca dis­farça­da de inter­esse, me irri­ta. Jere­my responde com nat­u­ral­i­dade, apre­sen­tan­do-me como colab­o­rado­ra de Ver­i­ty, mas o con­strang­i­men­to já havia se insta­l­a­do. Patri­cia, com sar­cas­mo, men­ciona Ver­i­ty como se eu não tivesse o dire­ito de estar ali. Jere­my final­iza a con­ver­sa com classe, con­fundin­do proposi­tal­mente o nome do mari­do dela — uma peque­na vin­gança ver­bal que quase me faz sor­rir.

    À medi­da que nos afas­ta­mos, perce­bo como Jere­my con­segue se man­ter firme diante de jul­ga­men­tos, enquan­to eu ain­da apren­do a lidar com eles. Esse momen­to, emb­o­ra descon­fortáv­el, rev­ela que há uma pro­teção silen­ciosa da parte dele. E talvez, mes­mo que ele não diga, isso sig­nifique algo.

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